No Dia Internacional das Florestas, Maria Amélia Martins Loução, Presidente da SPECO, publicou um artigo no Jornal Público, alertando para a necessidade de preservar a “floresta” de sequeiro mediterrânica:
O rio Tejo pode ser considerado uma linha de separação entre duas áreas de diferente relevo, o Norte e o Sul, originando paisagens muito distintas. As condições climáticas dos últimos anos acentuam ainda mais esta diferença, aumentando a aridez e a desertificação das grandes plataformas alentejanas. A seca e o calor do suão que sempre assolaram o Alentejo estão a intensificar-se e os modelos climáticos preditivos apontam para uma acentuada desertificação, como corolário das alterações climáticas que afectam todo o planeta.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), o que se aconselha é a neutralidade na degradação da terra, através da hierarquização, evitar, reduzir e reverter, ou seja, evitar e reduzir más práticas de utilização do solo, e regenerar os já degradados. A gestão agrícola e florestal deve ter como prioridade o aumento dos teores de matéria orgânica do solo e a preservação de um coberto vegetal resiliente e adaptado, por forma a mitigar o índice de desertificação que se verifica a sul de Portugal.
De acordo com os objectivos centrais da acção governamental, a sociedade terá de ser neutra em carbono, o que pressupõe uma redução célere das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e um aumento da capacidade de sequestro de carbono. Assim, surge a proposta do mercado voluntário de carbono, que incentiva a abertura de projectos de reflorestação e preservação da floresta para captação de investimentos de compensação das emissões de GEE.
Para além da “bondade” da proposta ao procurar promover a biodiversidade e o capital natural, ela pode vir a ser um modo de escamotear as infracções das empresas, que assim poderão continuar a emitir GEE. Por outro lado, estes projectos são direccionados para as chamadas “zonas vulneráveis”, onde os antigos matos e áreas arborizadas deram lugar à instalação de espécies florestais de crescimento rápido. Significa projectos direccionados para regiões a norte do Tejo de baixa produtividade. A sul, a grande propriedade conseguiu encontrar viabilidade económica, através das culturas intensivas de regadio. No entanto, o montado, considerado como paisagem característica de Portugal, encontra-se muito pouco protegido, sem incentivos à sua preservação e continuidade.
Também foi a sul do Tejo, onde a temperatura é elevada e a luminosidade forte, que a grande insolação e a diminuição progressiva de chuvas permitiram o incentivo da instalação de enormes parques solares que descaracterizam a paisagem e aumentam as assimetrias e a desertificação social. Mas são aplaudidas e incentivadas pelo Governo, já que vão servir o aumento das energias renováveis, diminuindo a dependência dos combustíveis fósseis. Sendo uma zona assolada por uma forte aridez, com abandono rural, o futuro “deserto” pode transformar-se em paisagem de ferro de grande utilidade para a política de redução de emissões de carbono, a que Portugal aderiu.
A relação entre a destruição do coberto vegetal, a expansão das culturas intensivas, o sobrepastoreio com gado bovino e a intensificação das alterações climáticas é sobejamente conhecida por geógrafos e ecólogos. E o que se está a fazer a sul do Tejo é ignorar este conhecimento científico. O aumento de aridez e a actual fragilidade do montado de sobro e azinho devia despertar a preocupação da sociedade, em geral e do Governo, em particular. Propriedades privadas cujos donos investem em economias produtivas devem ser valorizadas. Mas cabe ao Governo regular e balizar por forma a evitar a destruição de áreas protegidas, o desrespeito pela paisagem ou a insensibilidade dos “neófitos” pelas tradições locais, com custos sociais e ambientais elevados.
Num dia que se pretende valorizar a árvore e a floresta, há plantações um pouco por todo o Norte do país. A sul, o aumento de solos secos, associada à homogeneidade de culturas de regadio intensivas, desincentiva a reflorestação. Não basta propalar a necessidade de reduzir as emissões. É tempo de alertar para a necessidade de preservar a “floresta” de sequeiro mediterrânica, criando rotas turísticas e produtos de valor acrescentado. Salvar do deserto, que avança um pouco todos os anos, devia ser um desafio nacional, que iria ao encontro do recomendado pela UNCCD. Preservar a árvore e regenerar a paisagem tipo montado devia ser já iniciada, assim houvesse vontade e incentivo político.
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