Por Maria Amélia Martins-Loução in Broteria.
Resumo
Este artigo pretende chamar a atenção para as condições históricas que permitiram a evolução da Ecologia enquanto ciência e a ligação do reconhecimento do seu papel pelas sucessivas iniciativas das Nações Unidas. Desde a constituição de a ONU, no fim da Segunda Grande Guerra, as questões ambientais a par dos problemas sociais e económicos têm estado na agenda política e tem mostrado receptividade em estabelecer iniciativas que estimulem a colaboração de especialistas dentro dos diferentes Estados Membros. Aborda-se ainda o entorno global e histórico de algumas destas reuniões que mais marcaram a evolução do conhecimento sobre os impactes negativos da intervenção humana no planeta. Para além do clima, chama-se a atenção para a perda de biodiversidade que exige uma acção global e concertada, tanto mais que ambos os problemas estão interligados.
Introdução
A “Ecologia” como ciência transversal e integradora, tem sabido estabelecer uma ligação frutuosa entre ciências naturais e sociais. A divulgação do conhecimento sobre a importância dos ecossistemas e da sua biodiversidade indo ao encontro de problemas sociais e humanitários num planeta em profunda alteração global será mais eficiente com a integração destas duas visões conceptuais. A sociedade actual, mais motivada e sensível às presentes questões ambientais e surtos pandémicos, deve estar mais receptiva para avaliar o papel da Ecologia e da sua visão integradora.
Os “ecólogos”, ou profissionais da Ecologia, centram-se na investigação, no acumular de evidências sobre a complexidade das interacções presentes entre organismos vivos, Homem incluído. Sabem «ler» o estado de conservação e a «saúde» dos ecossistemas, como medida de prevenção e, posterior, intervenção. Hoje, cabe aos ecólogos o desafio de informar e clarificar a sociedade não só acerca do ambiente, ecossistemas e alterações climáticas, mas também em áreas determinantes de como minimizar riscos que ponham em causa a saúde, economia, urbanismo e produção agrícola.
Ao longo da sua constituição, as Nações Unidas foram decisivas ao colocar na agenda internacional as questões relacionadas com o ambiente, convidando para a mesa das negociações países tanto industrializados como em vias de desenvolvimento. As reuniões são usadas para discutir resultados e apresentar cenários, desenvolvidos por equipas de especialistas de diferentes áreas e países que, com o seu saber e experiência, projectam o seu conhecimento e a sua experiência em recomendações políticas.
A organização de conferências temáticas é usada pelas Nações Unidas para abordar múltiplos assuntos ligadas ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável, habitação, identidade e igualdade de género, envelhecimento, situação das crianças no mundo, entre outras. As conclusões destas conferências são redigidas e revistas dando origem a declarações e planos de acção que estabelecem princípios básicos que todos os países intervenientes anuem seguir.
Ao longo dos últimos 50 anos, estas conferências têm tido um papel relevante para o desenvolvimento de estratégias políticas globais, tanto a nível do ambiente natural como social, com algumas implicações no desenvolvimento e pensamento económico. Neste artigo pretende-se chamar a atenção para o entorno global e histórico de algumas destas reuniões que mais marcaram a evolução do conhecimento global sobre os impactes negativos da intervenção humana no planeta. Importa também relembrar a origem da ecologia e chamar a atenção para o facto de, ao longo do século XX, a sensibilização e constatação dos problemas ambientais ter dado origem a dois movimentos: (i) um, apostado em denunciar o efeito negativo do Homem no ambiente e que está na base do ecologismo ou ambientalismo; (ii) outro, mais introspectivo e pouco visível em determinar e quantificar os efeitos das alterações impostas no ambiente, em particular, ao nível do ecossistema e que está na base da Ecologia enquanto ciência.
O entorno histórico
As Nações Unidas, como organização internacional, foram constituídas, em 1945, no final da Segunda Grande Guerra com o objectivo de manter a paz e, em particular, o desenvolvimento de actividades de cooperação económica, social e ambiental entre as nações.
Na década de 50 do século XX, as Nações Unidas criaram a Organização Mundial de Meteorologia (WMO, sigla inglesa de World Meteorological Organization) como agência especializada para promover a colaboração internacional em áreas sem fronteiras ligadas ao ciclo hidrológico e clima. Ou seja, logo nos seus primeiros anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) congregou esforços no sentido de proporcionar maior e melhor compreensão sobre os fenómenos terrestres. Em 1957, no âmbito do proclamado Ano Geofísico Internacional pela ONU, os Estados Unidos construíram no Hawai uma estação meteorológica para monitorizar as variações de gases na atmosfera. O serpenteado da variação anual dos ciclos de dióxido de carbono ficou conhecido como curva de Keeling, em homenagem ao investigador químico norte americano Charles David Keeling, a quem se deve o desenvolvimento metodológico. Mais do que um interesse científico, a proclamação deste Ano Internacional, visou a consciencialização da sociedade civil e organismos estatais para o estudo da estrutura, composição, propriedades físicas e processos dinâmicos do Planeta.
A década de 60 foi pródiga em iniciativas várias que, um pouco por toda a Europa e Estados Unidos, chamaram a atenção para os problemas ambientais que surgiam, em consequência do grande crescimento económico do pós-guerra e da explosão do uso do petróleo. Os anos 60, como assim são conhecidos, ficaram marcados pela explosão do consumo, aumento da prosperidade dos países ricos, revolução científico-tecnológica - surgiram os primeiros satélites, computadores, televisão a cores, ida ao espaço e aterragem lunar, entre outras - movimentos culturais e ideológicos alternativos, que reivindicaram a defesa do meio ambiente e, sobretudo, uma ampla mudança nos hábitos e valores da sociedade em prol de uma vida sustentável.
Em 1962, a bióloga americana Rachel Carson, através da sua obra clássica “A Primavera Silenciosa”, alertou para o efeito nefasto do insecticida DDT e de outros pesticidas no ambiente, em geral e na saúde humana, em particular. As sua obras, em particular este emblemático livro, despertou uma consciência ambiental global e a base do movimento que levou à regulamentação, fiscalização e utilização dos pesticidas.
Em 1965, o responsável de ciências de a OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico), Alexander King, mostrou-se sensível com o discurso de um industrial italiano, Aurelio Peccei, ao mostrar uma profunda preocupação com o futuro da humanidade e do planeta. Três anos depois, King e Peccei organizaram um encontro de cientistas europeus em Roma. Surgiu um grupo central de pensadores que formaram o Clube de Roma com um objectivo: avançar com ideias concretas numa perspectiva global e de longo prazo, sobre um conjunto de problemas globais interligados, fossem eles económicos, ambientais, políticos ou sociais.
Em 1972, foi publicado o primeiro grande relatório do clube, “Os Limites do Crescimento”, que vendeu milhões de cópias em todo o mundo, criou polémica nos média, na crise do petróleo do início dos anos 70 e incentivou o movimento global sobre sustentabilidade. Elaborado por uma equipa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA e liderada pela ecóloga norte americana Dana Meadows, ficou também conhecido como Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows. Esta chamada de atenção para o paradigma incontestado do desenvolvimento da humanidade arrastando problemas de energia, poluição, saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional, ainda define o Clube de Roma de hoje. Ao fim de 50 anos as preocupações não perderam a sua relevância.
A Ecologia e os ecólogos
A palavra “ecologia” - do grego «oikos», que significa casa, e «logos», conhecimento, estudo - esteve sempre subjacente nos escritos de Aristóteles, Teofrasto e Plínio, na sua mundivisão sobre história natural. Com o desenvolvimento que se instaura nas sociedades europeias a partir do século XVIII, a exploração de novos mundos por Alexander von Humboldt e a revolução industrial, dá-se a transformação progressiva da história natural, através de uma visão económica da natureza.
No entanto, o conceito de “ecologia” só viria a ser definido em 1866 pelo investigador e ilustrador alemão Ernst Haeckel. Por ecologia entende-se «o estudo de todas as complexas inter-relações entre organismos e o meio envolvente, incluindo, em sentido lato, todas as condições necessárias à sobrevivência. Durante o século XX a ecologia cresceu como ramo da Biologia mas, a partir da década de 60, o seu impacto foi maior pelo crescimento e desenvolvimento económico do pós-guerra e pela influência de diferentes biólogos norte americanos dando origem a dois grupos: um, influenciado por Rachel Carson e Barry Commoner, que denunciavam o impacte negativo do Homem no ambiente e outro, mais científico, liderado por Eugene Odum e Paul Ehrlich, que incluíam nos seus estudos o Homem como outra espécie da natureza. O seu objectivo era estudar e interpretar cientificamente as respostas dos organismos às diferentes condições que afectam o seu desenvolvimento. O primeiro grupo via o Homem como uma força oposta à natureza e deu origem ao movimento ecologista, com uma forte implantação social e política. O segundo, considerava o Homem apenas como outra espécie animal na natureza e deu origem aos profissionais da Ecologia, os “ecólogos”, que se fundamentam em dados recolhidos segundo o método científico.
No século XXI a Ecologia é já uma ciência integradora, quase autónoma da Biologia, motivada pelos desafios e problemas que a sociedade enfrenta. Os estudos são desenvolvidos em equipas interdisciplinares para assegurar uma melhor abordagem aos cenários previsíveis e providenciar soluções operacionais relevantes à sustentabilidade do planeta. A noção crescente do cariz multidisciplinar e transdisciplinar da Ecologia está a conduzir as tendências de pensamento e acção dos mais diversos sectores, desde a política à saúde, educação e economia. Actualmente, os ecólogos, enquanto profissionais científicos, possuem o conhecimento necessário que permite apoiar as metas estipuladas pelo programa dos Objectivos de Desenvolvimentos Sustentável (ODSs) das Nações Unidas. Durante as últimas três décadas do século XX e ao longo destes 20 anos do século XXI, os ecólogos têm sabido responder a novos problemas ambientais, traduzindo as contribuições transversais das diversas abordagens e áreas do conhecimento para as metas previamente estabelecidas. Hoje, o seu conhecimento transdisciplinar pode contribuir para dar resposta aos desafios económicos e problemas de saúde, a fim de criar uma biosfera mais sustentável e uma sociedade mais equitativa.
Os ecólogos podem investigar as cadeias alimentares responsáveis pela dinâmica populacional das espécies presentes no oceano, dando informações cruciais para a definição das quotas de pesca. Nas viagens aos pólos focadas em entender as inter-relações ali presentes, permitem entender como a perda de uma função dentro desses ecossistemas tem um impacto maior nas mudanças climáticas. O seu investimento é o de preencher a lacuna de conhecimento das complexidades dos ecossistemas. Por isso, tanto podem usar satélites ou programas de computador sofisticados para modelar respostas e prever consequências, como usar metodologias moleculares e genéticas para compreender as respostas funcionais, que podem ser usadas como indicadores ecológicos e funcionais.
A afirmação e projecção dos ecólogos passa também por saber comunicar usando uma mensagem científica compreensível, clara e simples. Mostrar que os desafios e avanços que afectam a sociedade só podem ser respondidos se houver uma monitorização de dados recolhidos na natureza, de forma correcta e sistemática, sem barreiras físicas ou políticas. Sem esta recolha e posterior avaliação de dados sem fronteiras não há políticas inovadoras que permitam assegurar a sustentabilidade do planeta e as condições sociais e humanamente exigíveis para alcançar as metas dos ODSs.
Este conhecimento tem sido fundamental para responder aos actuais problemas que o planeta Terra hoje enfrenta, promovidos não só pelas alterações geológicas e geofísicas, mas também e muito pela acção do Homem enquanto consumista e utilizador de recursos naturais. Grande parte das equipas multidisciplinares, que a nível mundial têm a responsabilidade de desenvolver estudos e projectar cenários para o futuro da humanidade, contam com ecólogos nas suas equipas.
A Conferência das Nações Unidas
A primeira grande reunião ligada ao meio ambiente foi realizada em Estocolmo em 1972 e partiu da iniciativa do Governo Sueco que, em 1968, colocou na ordem do dia os problemas do meio ambiente humano. Para um tema tão global como este foi proposta a organização de uma conferência sob os auspícios das Nações Unidas, para poder ser discutido entre as diferentes lideranças mundiais de países industrializados e em desenvolvimento e resolvido através da cooperação internacional. Ao longo do tempo, esta primeira reunião em Estocolmo, intitulada como Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, foi identificada como um marco histórico ao procurar o equilíbrio entre o desenvolvimento económico e a redução da degradação ambiental. A importância estava em encontrar uma solução para os problemas ambientais, mas sem ignorar factores de política social, económica e de desenvolvimento.
A Conferência de Estocolmo, como também ficou conhecida, foi a primeira que chamou a atenção para a necessidade de preservar os habitats naturais com vista à melhoria sustentada das condições de vida da população mundial. Nesta Conferência foi motivo de acesa discussão o futuro do clima global, retirado do relatório do Clube de Roma acabado de publicar.
A Declaração de Estocolmo colocou as questões ambientais na vanguarda das preocupações internacionais e marcou o início de um diálogo sobre a ligação entre o crescimento económico, a poluição do ar, da água e dos oceanos e o bem estar da humanidade. Um dos principais resultados da conferência de Estocolmo foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP na sigla inglesa de United Nations Environment Program).
No âmbito das recomendações propostas em Estocolmo e da necessidade de refrear os danos ambientais, algumas lideranças internacionais apostaram na organização de conferências ambientais para discutir e criar protocolos que tivessem em conta o desenvolvimento económico sem destruir o meio ambiente. Em 1974, o químico atmosférico Paul Crutzen (Prémio Nobel da Química em 1995) chamou a atenção para a elevada quantidade de átomos de cloro e monóxido de cloro detectadas na estratosfera capazes de destruir a camada de ozono. Em 1985, com a descoberta do «buraco» do ozono houve pressão sobre a UNEP para organizar uma conferência que permitisse uma ampla discussão sobre o assunto e uma tomada de decisão a nível global. Esta foi a base de entendimento subjacente à organização da Conferência de Montreal, Canadá.
O Protocolo de Montreal, sobre substâncias que destroem a camada de ozono, é o marco do acordo ambiental multilateral que regula a produção e o consumo de quase 100 produtos químicos feitos pelo homem, entre eles os hidroclorofluorocarbonetos ou HCFCs, usados, de forma generalizada, nos aparelhos de ar condicionado, câmaras frigoríficas ou como agentes de expansão de espumas de poliuretano. Quando volatilizados na atmosfera, estes produtos químicos danificam a camada de ozono estratosférico, escudo protector que protege os organismos vivos de mutações provocadas pela radiação ultravioleta emitida pelo sol. Adoptado em 1987, este Protocolo é, até hoje, o único tratado das Nações Unidas que foi ratificado por todos os Estados-Membros.
Vinte anos após a conferência de Estocolmo surge a ECO-92, ou Rio-92, organizada no Rio de Janeiro, Brasil, com o intuito de retomar os planos de acção e protocolo de Estocolmo e discutir assuntos cadentes sobre o clima, a água e os transportes. Rio-92 realçou a importância da abordagem integradora entre os diferentes pilares: sociais, económicos e ambientais. Para haver sustentabilidade o desenvolvimento de um pilar requer acção nos outros, já que são interdependentes e co-evolutivos.
Esta conferência lançou o conceito, revolucionário para a época, de desenvolvimento sustentável como meta alcançável para todas as pessoas, independentemente da escala: local, nacional, regional ou internacional. Foi também nesta reunião que se reconheceu a necessidade de integrar e equilibrar as preocupações económicas, sociais e ambientais para sustentar a vida humana no planeta. Tal abordagem integrada exige novas percepções sobre como garantir a sustentabilidade do desenvolvimento através da forma como se produz e consome, como se vive e trabalha e como se tomam decisões.
Se a conferência de Estocolmo constituiu um marco por ter sido a primeira, a conferência do Rio teve inúmeros resultados, dando origem a iniciativas que ainda se mantém actuais: (i) Declaração do Rio e seus 27 princípios universais; (ii) Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla inglesa para United Nations Framework Convention on Climate Change); (iii) Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD, sigla inglesa para Convention on Biological Diversity); (iv) Declaração sobre os princípios da gestão florestal; e (v) Comissão para o Desenvolvimento Sustentável.
Em 2012, a Rio+20, ficou conhecida como a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. E 2015 marca o ano da definição da Agenda 2030, quando as Nações Unidas lançam os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG, sigla inglesa de Sustainable Development Goals).
Painel para as alterações climáticas
Através do Ano Internacional da Geofísica, em 1957, as Nações Unidas mostraram preocupação sobre a necessidade de se conhecer os processos dinâmicos do planeta. Um ano após o início das medições da variação de dióxido de carbono na atmosfera, verificou-se que essa concentração estava a aumentar e em 1988, trinta anos após, o valor rondava os 350 ppm.
Nesta sequência de eventos, em 1988, as Nações Unidas e o WMO estabeleceram o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla inglesa de Intergovernmental Panel on Climate Change), com a responsabilidade de preparar uma revisão compreensiva sobre o conhecimento das alterações climáticas, as projecções do clima do futuro e o seu impacte social e económico. Os relatórios deviam, ainda, conter recomendações concretas sobre respostas estratégicas a desenvolver no futuro. Desde esta data, o painel apresentou cinco cenários com trajectórias evolutivas diferentes, consoante o evoluir da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera e que foram amplamente divulgados a nível internacional.
O primeiro relatório do IPCC, foi divulgado em 1990 e chamou de imediato a atenção para a importância das alterações climáticas com possíveis consequências globais. Isto justificou, por parte de a ONU no fim da Conferência Rio-92, a proposta de constituição da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O UNFCCC é um tratado internacional, assinado por quase todos os Estados-Membros, cujo principal objectivo é “estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera a níveis que evitem uma intervenção perigosa com o sistema climático”. O valor do nível limite de emissões nunca foi definido, pela dificuldade em alcançar interesses comuns. As negociações são realizadas no âmbito das Conferências das Partes (COP) que estabelecem recomendações aceites por todos os Estados Membros.
A UNFCCC teve sempre consciência de que a parcela das emissões de GEE produzidas pelos países em desenvolvimento iria aumentar. Por isso e no interesse de cumprir o seu objectivo, procurou ajudar esses países a limitar as emissões sem colocar em causa o seu progresso económico. Uma dessas soluções surgiu em 1997, durante a terceira Conferência das Partes (COP3), realizada em Quioto, Japão. No Protocolo de Quioto visou-se a redução de 5,2% de emissões de GEE para as décadas seguintes, principalmente pelos países desenvolvidos. No entanto, este Protocolo só entrou vigor em 2005, quando, pelo menos 55 Membros Partes da Convenção, representavam no total pelo menos 55% do total das emissões de dióxido de carbono.
Mais tarde, em 2015, durante a COP21 estabeleceu-se o Acordo de Paris, considerado um marco no processo de cooperação multilateral porque reuniu, pela primeira vez, as nações numa causa comum: o combate à mudança climática e a adaptação aos seus efeitos. O objetivo é limitar o aquecimento global a valores <2° C, de preferência a 1,5° C, em comparação com os níveis pré-industriais.
Durante a última Conferência das Partes - COP26 - em Glasgow, Reino Unido, foi estabelecido um compromisso global que reflecte um delicado equilíbrio entre os interesses e aspirações de quase 200 Estados Membros Partes, encorajados a aumentar a redução das emissões para manter o estipulado no Acordo de Paris. Ficou estabelecido o Pacto Climático de Glasgow onde se anui na diminuição do uso dos combustíveis fósseis, em particular do carvão e não na sua eliminação, como inicialmente proposto.
A UNFCCC é uma das “Convenção do Rio-92”. Outra, menos conhecida, é a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD). As duas estão intrinsecamente ligadas. A COP-15 da Biodiversidade, a realizar presencialmente em Kunming, China, em Abril-Maio 2022, tem o objetivo de adoptar um plano de acções - Marco Global da Biodiversidade pós-2020 - capaz de promover, até 2050, mudanças que permitam uma vivência da sociedade “em harmonia com a natureza”. Apesar de, historicamente, a COP da biodiversidade ter tido menos visibilidade que a COP do clima, nos últimos anos tem despertado mais atenção devido à necessidade urgente de reverter a curva da perda da biodiversidade.
As alterações climáticas e a biodiversidade
Os riscos das alterações climáticas são já assumidos pela sociedade, em resultado da frequência e gravidade de eventos, alguns mesmo catastróficos. Os relatórios do IPCC têm sucessivamente relatado diferentes e variados impactes a que a humanidade pode estar sujeita. Em 2021 alertaram para a necessidade “urgente” de medidas de adaptação a um clima em mudança. Mas também os contínuos alertas da Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e os Serviços do Ecossistema (IPBES, sigla inglesa de Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services) têm chamado a atenção para o prejuízo em transformar a paisagem e gerir de forma antrópica as espécies nos ecossistemas. O Homem é muito responsável pelos problemas ambientais e sociais que hoje o planeta enfrenta.
Quando se pensa no risco das alterações climáticas responsabiliza-se de imediato a produção de energia, a mobilidade e, consequentemente, a dependência dos combustíveis fósseis. Mas o aumento de população pressupõe e exige aumento de disponibilidade de alimento, que é, simultaneamente, fonte e gasto de energia. Sem ele não se sobrevive, mas só a produção alimentar é responsável por um gasto considerável de energia e pela emissão de 18,4% de gases com efeito de estufa. Por outro lado, com a motivação de arranjar mais terreno para culturas alimentares esquece-se que a aquisição de alimento, produtos e «bem-estar» humano está dependente de ecossistemas naturais.
Desde a Conferência do Rio-92 que, «conservar, proteger e restaurar a funcionalidade e integridade do ecossistema Terra», passou a ser o compromisso. A ciência ecológica contribuiu, em muito, para o entendimento de como os ecossistemas e as sociedades interagem. Agricultura, biodiversidade, clima e saúde estão interligadas, apesar de serem isoladas e desintegradas do ponto de vista político. Podiam ser trabalhados e discutidos - como são - de forma isolada com equipas científicas adequadas, mas os resultados deviam ser avaliadas de forma integrada. Essa foi a tentativa esboçada em Glasgow que se ficou apenas pelas intenções. Apenas ficou expressa a menção sobre a redução da desflorestação. Desflorestação, fogos, ocupação e degradação de zonas húmidas, turfeiras, ou sapais, são alterações que levam à erosão e elevada emissão de gases com efeito de estufa, tanto dióxido de carbono como metano.
A transformação da paisagem, um pouco por todo o lado, à escala regional e global tem gerado muito pouca controvérsia comparativamente à alteração climática. Esta, para lá de mediatizada está já politizada, de tal forma que são raros os países e nestes, os partidos políticos que não ofereçam soluções e promovam estratégias para mitigar as consequências destas alterações. Mas a crise climática só pode ser enfrentada se se souber entender e respeitar a biodiversidade presente no planeta Terra. A adaptação às alterações climáticas deve ter em conta não apenas a redução das emissões de GEE mas também o aumento da captação e conservação de carbono sob a forma de biomassa. Daí a necessidade de proteger os ecossistemas naturais, terrestres e aquáticos.
Sendo o solo a base da vida à superfície terrestre, manter o ecossistema solo “fértil” significa ter capacidade de armazenar carbono, remover dióxido de carbono da atmosfera, manter uma diversidade vegetal resiliente e assegurar o fornecimento dos serviços do ecossistema, de que o Homem depende. São os ecossistemas que fornecem a infra-estrutura básica da vida ao permitir a captação e acumulação de energia do sol, a formação do solo, reciclagem de água e nutrientes. O solo é um reservatório de carbono três vezes maior do que o atmosférico e só o oceano possui mais reservas de carbono, principalmente em formas inorgânicas. A intensificação agrícola tem diminuído a fertilidade do solo uma vez que a taxa de recuperação do carbono no solo é muito lenta. Ou seja, melhorar o carbono do solo, promover a florestação, a conservação de ecossistemas naturais devia estar no topo da agenda política para a mitigação das alterações climáticas, o que significa não explorar de forma intensiva. Como o solo é um recurso sem fronteiras geri-lo de forma sustentável requer uma acção concertada e integrada. Em 2015, durante a cimeira do clima em Paris, a França lançou a iniciativa dos “quatro por mil”, com o objectivo de incentivar a investigação e o desenvolvimento de acções globais para o efectivo aumento de 0,4% de carbono do solo a cada ano.
A perda de biodiversidade é um dos maiores riscos que a humanidade enfrenta no século XXI. Pode pensar-se que o desaparecimento de espécies é um fenómeno inerente ao processo evolutivo. Ao longo da história geológica, pelo menos cinco vezes, houve episódios de desaparecimento massivo de espécies. Conhecidas como “extinções em massa” foram causadas por fenómenos geológicos e geofísicos. No entanto, durante os períodos de dezenas de milhões de anos que geralmente separam os diferentes episódios, a extinção de espécies ocorreu como um fenómeno gradual, compensado pelo aparecimento e evolução de novas espécies.
O padrão de extinções mudou abruptamente nos últimos dois séculos. Com o início da revolução industrial, os desenvolvimentos tecnológicos permitiram ao Homem modificar a superfície da Terra de forma tal que já gerou alteração de alguns dos principais processos biofísicos que determinam o funcionamento do planeta. A alteração climática potencia estes efeitos do Homem, dando origem à mudança global. Há muito que a comunidade científica alerta para este problema: à transformação ecológica que ocorre gradualmente, associam-se alterações nas populações de espécies dominantes e no intervalo de sucessão das espécies, em resposta às mudanças climáticas. É este aumento de sensibilidade que urge disseminar tal como Edward O. Wilson (1929-2021) o fez: Devemos preservar cada pedaço da biodiversidade como inestimável, enquanto aprendemos a usá-la e compreender o que ela significa para a humanidade.
Sugestões de leituras
Martins-Loução MA. (2001). Conceitos e terminologias no estudo do ecossistema. Cadernos de Ecologia nº 3: 1-37.
Martins-Loução MA. (2017). Ecology Day. Web Ecol. 17, 65-67.
Martins-Loução MA., Branquinho C., Serrano, H.C. (2019). A importância da biodiversidade para o ecólogo. Kairos 21 (1): 72-95.
Santos F.D. (2021). Alterações climáticas. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Colecção Ensaios nº 111. ISBN: 978-989-9064-24-9. Pp 118.
Martins-Loução MA. (2021). Riscos Globais e Biodiversidade. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Colecção Ensaios nº 114. ISBN: 976-989-9064-03-4. Pp 115.
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