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Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030: Parecer da SPECO - Sociedade Portuguesa de Ecologia

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    SPECO
  • há 1 dia
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PREÂMBULO


A Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO) congratula-se com a elaboração da proposta de revisão da Estratégia Nacional de Conservação da Biodiversidade 2030, que procura dar resposta às novas realidades ambientais, aos compromissos internacionais - decorrentes da necessidade de cumprimento das metas internacionais ligadas ao Quadro Global da Biodiversidade Kunming-Montreal, da Nova Estratégia para as Florestas da União Europeia (UE), da Estratégia de Proteção do Solo da UE, da Estratégia de Biodiversidade da UE 2030 e da Lei Europeia do Restauro Ecológico - e às necessidades nacionais identificadas desde a elaboração da anterior versão.


Esta proposta é por isso uma actualização da proposta anterior de 2017 num contexto de maior urgência climática e ecológica. Incorpora as novas orientações e prioridades nacionais previstas - no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, na agenda “Biodiversidade 2030”, na Missão Natureza 22, entre outros -, foca-se na descarbonização da economia, na economia circular e no desenvolvimento territorial de acordo com as suas características singulares, mas tendo presente os princípios da conservação da biodiversidade em Portugal.


Portugal possui, no seu conjunto, um património nacional do qual o país se deve apropriar e colocar ao serviço das pessoas e da sua economia, por isso merece destaque o detalhe da proposta falar na situação de referência dando conta de que o nível actual de conhecimento sobre o património natural ainda apresenta lacunas significativas que afectam a tomada de decisão. Para além dessas lacunas reconhece-se que os instrumentos de monitorização sistemática requerem desenvolvimento, conforme é estabelecido pela Lei do Restauro da Natureza.


A ENCNB apresenta quatro eixos estratégicos que se pretende que funcionem de forma sinérgica e complementar. Ostrês objectivos estratégicos da proposta anterior mantêm-se, mas foram reformulados. A versão revista acrescenta um Eixo 4 dedicado à governança e apresenta maior detalhe para além de incluir novas abordagens, nomeadamente, aos serviços dos ecossistemas, à integração da biodiversidade nas políticas sectoriais e ao ênfase na participação activa da cidadania. Importa referir a importância dada ao papel dos serviços de ecossistema na salvaguarda da saúde das populações e da sua valoração como incentivo às empresas e autarquias em estabelecer e co-responsabilizar-se nas estratégias de conservação da biodiversidade.


Os quatro eixos da estratégia da conservação da biodiversidade possuem objectivos concretos: melhorar e restaurar (Eixo 1), gerir de forma integrada e sustentável (Eixo 2), valorizar (Eixo 3) governar e conhecer (Eixo 4) o património natural.


Sendo a SPECO uma sociedade científica de ecólogos, a análise crítica a este documento baseou-se no conhecimento científico e técnico adquirido ao longo dos anos, que lhe confere competência para avaliar a grande maioria das acções previstas.


Considerações gerais


O Eixo 1 - Conservação e Restauro dos Ecossistemas - amplia o âmbito da estratégia ao integrar os valores biológicos e geológicos no património natural e incorpora a dimensão humana e salvaguarda dos seus interesses.


No âmbito do Eixo 1 são consideradas prioritárias cinco objectivos.


O primeiro - Conservação, recuperação e restauro da biodiversidade e dos ecossistemas - nunca poderá ser levado a cabo sem se conhecer os critérios científicos e robustos que definem o actual estatuto de conservação de espécies e ecossistemas. Os dados conhecidos são os da UE de 2018. Desconhecem-se quais os indicadores claros que se pretendem atingir.


É também mencionado como objectivo a protecção do património geológico e da geodiversidade, indissociáveis à conservação dos habitats e ecossistemas. Os geoparques não representam a diversidade genética actual que se pretende preservar, apesar de merecerem conservação e particular atenção. No entanto, o seu papel é substancialmente diferenciado das populações vivas das espécies e suas interacções que fundam os ecossistemas. Assim, as áreas dos geoparques não devem contribuir, directamente, para o somatório nacional de manchas destinadas à conservação biológica, apesar de estarem a ser incluídos na contabilização dos 30% de área a conservar a nível nacional.


Todavia, os geoparques e em especial alguns geossítios, representam um importante potencial de conservação biológica que não tem sido suficientemente entendido pela planificação do território. A integração da conservação biológica na esfera dos geoparques, aliás seguindo directrizes europeias, é um domínio praticamente incipiente da planificação e da prática de conservação que devia, pois ser incluída.


O Eixo 4, que funciona como ponte entre ambição e concretização, propõe uma governança baseada na assunção das áreas protegidas não serem “ilhas administrativas”, mas antes espaços de construção colectiva que para tal necessitam de uma verdadeira cogestão e corresponsabilização dos diferentes actores territoriais. Neste âmbito seria interessante perceber qual é o verdadeiro sentido de cogestão e de governança.


Perante estes aspectos que mereceram a nossa atenção em especial apresentamos as seguintes recomendações/sugestões que gostaríamos de ver respondidas.


Recomendações finais:


A SPECO considera que esta ENCNB, apesar de ser bastante aceitável e mais inclusiva, falha, ainda, em três aspectos fundamentais:


1. Eficiência - os instrumentos e indicadores devem ser bem delineados para que os recursos financeiros envolvidos sejam usados de forma duradoura e assertiva.


2. Coerência - as medidas a implementar em articulação com outras políticas sectoriais não são definidas de forma clara e coerente, são apenas referidas como objectivo.


3. Eficácia - a reavaliação contínua das acções em função das metas a atingir e o reajuste sucessivo dos programas, sempre e quando necessário, para garantir o cumprimento das metas, não são mencionadas.


Neste sentido e de forma sintética a SPECO propõe a necessidade de se implementar as seguintes melhorias em todo o texto:


1. Reforçar a importância da componente científica para a implementação da estratégia, só ligeiramente referida;

2. Definir quais os critérios objectivos para a caracterização do estatuto de conservação.

3. Caracterizar objectivamente o actual estado de conservação e sobre as prioridades do que se pretende fazer, quando e como;

4. Informar, com base em dados científicos e objectivos sobre quais são os 30% de área a conservar no território continental e marinho que a UE nos obriga;

5. Informar sobre a obrigatoriedade da definição dos 10% de área de conservação estrita e, por consequência, da sua localização e critério usado;

6. Estabelecer um cronograma de monitorização do estado de conservação das espécies e ecossistemas;

7. Definir as entidades e informar sobre o tipo de selecção das entidades na monitorização da conservação;

8. Conhecer qual a entidade que recolhe, avalia e disponibiliza os dados científicos. Teoricamente deveria ser a mesma que fiscalizaria a prossecução dos objectivos. Isto deveria implicar a separação do actual Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), numa unidade orgânica independente dos membros do Governo que tutelam a agricultura, as florestas e as pescas;

9. Implementar um método credível, com base em critérios científicos e semelhante a outros internacionais, para a valoração dos serviços de ecossistema;

10. Implementar trabalho de base que ajude a reavaliar as áreas de distribuição actuais das espécies-alvo que fundamentam as Zonas Especiais de Conservação (ZEC), prevendo a definição de estatutos municipais de conservação, potenciadores da protecção de populações.

11. Incluir os indicadores para o fomento de povoamentos florestais. Na planificação e prática florestal é omissa a referência a espécies autóctones locais de quercíneas, e outras espécies arbóreas autóctones, próprios de cada região.

12. Criar um mecanismo de alerta, preventivo, gerado pela vigilância no terreno ou por detecção remota de dados actualizados no terreno, sobre o surgimento de iniciativas destrutivas ou profundamente modificadoras das características actuais consideradas favoráveis, do solo, dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, costeiros ou submarinos, da floresta, da biodiversidade, da estrutura dos ecossistemas e da paisagem. Este mecanismo destinar-se-ia a gerar avisos legalmente eficazes junto dos promotores de iniciativas putativas de incumprimentos.

13. Integrar sempre a componente de recuperação/restauro ecológico nas medidas de conservação. Isto implica alocar uma área espacial suficientemente ampla para alojar a expansão das espécies e habitats. Estas áreas devem ir além dos limites que actualmente circunscrevem as populações das espécies-alvo, prevendo o seu alargamento por mecanismos naturais de propagação, melhoramento do seu habitat por acções de recuperação ou processos de fundação de novas populações. Neste sentido, as modificações ambientais provocadas por novas iniciativas comerciais, industriais e urbanas, devem ser equacionadas e prevenidas. Destaca-se a situação crítica em curso de piorar, que está a ocorrer na ZEC Comporta/Galé.

14. Incluir na planificação dos zonamentos e conservação espécies animais e vegetais designadas nos Livros Vermelhos pelo seu interesse nacional de conservação, para além das espécies-alvo.

15. Excluir, no seio da algumas áreas protegidas, actividades modificadoras da condição favorável dos ecossistemas, para melhorar a concentração de meios nos domínios a proteger. É o caso do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina que inclui o Perímetro de Rega do Mira. A propagação dos impactes a partir das áreas extraídas sobre as áreas com maior relevância para a conservação biológica, designadamente poluição dos solos e da escorrência, dos aquíferos e da atmosfera, devem ser monitorizados pelas instâncias competentes no contexto do seu impacto negativo sobre as áreas de conservação vizinhas.

16. Implementar um quadro normativo para as Other effective area-based conservation measures (OECMs), isto é, para a conservação biológica que atravessa o território além dos limites das Áreas Protegidas, por exemplo de corredores ecológicos, micro-reservas e territórios onde decorreram boas práticas. São aspectos cruciais ligados, por exemplo, à proliferação do coelho-bravo e da lebre, vertebrados fundamentais às cadeias tróficas e consequentemente, sua diversidade e integridade dos ecossistemas, que transportam doenças como a febre-hemorrágica e mixomatose.

17. Integrar a conservação biológica na esfera dos geoparques, aliás seguindo directrizes europeias, domínio praticamente incipiente da planificação e da prática de conservação em Portugal. Alguns geossítios, representam um importante potencial de conservação biológica que não tem sido suficientemente entendido pela planificação do território. A sua integração deveria ser acautelada.

18. Definir, de forma clara, o perfil da governança das áreas protegidas que devia ser ajustado caso a caso, tendo como premissa a existência de massa crítica, particularmente direccionada à gestão cientificamente controlada.

19. (Re)Implementar a figura de director da área a proteger, como figura responsável na implementação da ENCNB e líder do processo de cogestão a ser implementado.

20. Definir o compromisso financeiro anual, por parte do Estado, na conservação e quais os incentivos que poderão ser alocados aos privados para os envolver no cumprimento das metas.


Lisboa, 9.10.2025


Relator: Maria Amélia Martins-Loução, presidente


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