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A imprescindível utilidade pública



Maria Amélia Martins-Loução, Presidente da SPECO, escreveu um artigo de opinião no Jornal Público.


A semana passada celebrou-se o Dia Mundial da Conservação da Natureza, criado há 35 anos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Em Portugal, as celebrações contaram com a realização de diversas iniciativas de cariz ambiental, tais como, limpeza de áreas costeiras e florestais, debates sobre extinção de espécies, destruição de habitats e desequilíbrio dos ecossistemas. O objectivo foi o de sensibilizar a sociedade para a necessidade de conservar o património natural. É a chamada “conservação de gabinete”: séria, intelectual, discursiva, apelando à responsabilidade da sociedade e lembrando projectos emblemáticos de conservação de espécies dirigidas ao Lince-Ibérico, Águia-Imperial e Saramugo, nativas de Portugal.


Apesar das intenções a favor da “conservação de gabinete”, quatro dias depois, temos conhecimento pela imprensa que iria ser permitido o corte de 1821 sobreiros, numa área de 32 hectares, para a construção do parque eólico de Morgavel, em Sines. É a “imprescindível utilidade pública”, que sobrepõe o interesse de parques eólicos à conservação do montado de sobro naquela área, recurso renovável de extrema importância ecológica e económica, a nível local e nacional.


O facto do sobreiro ter sido instituído, desde 2011, como árvore nacional que impede o seu corte sem plena justificação e do montado ser alvo de um programa de acção para a recuperação da vitalidade desde 2006, é de somenos.


A conservação da natureza, de facto, consiste na protecção efectiva das populações, animais e vegetais, e na preservação da integridade ecológica do seu habitat natural. Em resumo, manter os ecossistemas em bom estado de conservação e prevenir ou minimizar os danos que possam sofrer. Mas quando há interesses económicos todos as restantes “boas vontades” para com a natureza deixam de existir. O declínio do montado na zona pode servir sempre de argumento. Aliás, para minimizar os danos e recuperar as perdas plantam-se novas pequenas árvores, a fim de assegurar a sua manutenção. São as medidas de compensação que se propõem como forma de assegurar um “futuro verde” e uma “energia sustentável”.


O declínio do montado em certas zonas do Alentejo, não é mais do que a resposta de uma sequência de alterações impostas, durante anos, a um ecossistema que estava em perfeito equilíbrio. O aumento da aridez, em consequência das alterações climáticas e o excesso de pastoreio de gado bovino, por consequência dos investimentos agrícolas, têm imposto mais vulnerabilidades a este sistema tradicional.


O problema, em todas estas situações, é tratarem-se maleitas sem se atender às causas.


Até ao momento, a crise climática recebe a maior parte da atenção, política, mediática, social e económica. É a eterna máxima da questão energética e da redução das emissões, pelo que se exige acabar com a dependência dos combustíveis fósseis e investir nas energias renováveis. Por detrás desta questão, estão as razões económicas que justificam os meios para atingir os fins. Só assim se compreende que se aposte em sacrificar ecossistemas como o montado de sobro, em favor da dita transição energética.


A acção climática e a necessidade das energias renováveis é muito mais fácil de implementar e de justificar que a conservação da biodiversidade.


Uma é imediata e directa no retorno económico e mediático. A outra é lenta, complexa e pouco visível. Por outro lado, como as oportunidades para abordar as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade estão cada vez mais limitadas no tempo, acaba por ser mais emblemático justificar a necessidade de continuar a aposta em energias sem emissões, do que cuidar e manter um montado.


À medida que nos tornamos mais conscientes da finitude dos recursos naturais, devíamos encontrar maneiras de compreender as consequências deste tipo de explorações económicas. Não vale tudo, a não ser para o presente. Torna-se muito mais barato, e proveitoso, proteger a natureza do que restaurá-la depois. Seremos capazes de estimular a co-responsabilidade dos cidadãos na conservação da biodiversidade? E de motivar o inconformismo de todos perante situações como esta?




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