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Parecer da SPECO sobre o Plano de Gestão - ZEC Comporta/Galé

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    SPECO
  • há 4 horas
  • 9 min de leitura

PREÂMBULO

No âmbito da Operação POSEUR, em particular do projecto ““Elaboração de vinte planos de gestão de habitats naturais, da fauna e da flora selvagens, que incidem sobre sítios de importância comunitária (SIC), no âmbito da Diretiva Habitats”, o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) elaborou um plano de gestão para a Zona Especial de Conservação (ZEC) Comporta/Galé. Para a sua elaboração recorreu a inúmera informação disponível, de âmbito biológico/ecológico e sócio/económico. A Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO) congratula-se pela ampla divulgação o que denota preocupação em finalizar um plano que pretende ser instrumental para o desenvolvimento de medidas operacionais de conservação e gestão activa de habitats presentes nesta ZEC. Verifica, no entanto, que o documento elaborado, ficou aquém das expectativas, levantando dúvidas à medida em que se encontram as suas fragilidades, que seguidamente iremos expor. Nomeadamente, a caracterização dos diferentes habitats existentes, assim como as espécies prioritárias que necessitam de protecção especial, foi feita com base em informação cartográfica desactualizada e carta de solos pouco rigorosa. Foi ainda objecto deste plano a análise geral de instrumentos que podem colocar em causa a estratégia de conservação e o diagnóstico de problemas reais com que a área em questão se debate. Infelizmente, não tem em conta as recentes unidades agrícolas que, para além da construção urbanística, são uma grande ameaça à conservação destes habitats. Por último não se percebe como é que este plano não respeita as normas emanadas pela Comissão Europeia respeitante à necessidade de avaliar os custos inerentes às propostas de implementação dos planos de gestão.


CONSIDERAÇÕES GERAIS

É importante ficar claro que a SPECO concorda que a conservação desta faixa deve ter em conta a utilização sustentada do espaço, compatibilizando os usos e a defesa dos valores naturais. No entanto, o que se verifica em todo este território é uma pressão turística muito forte que levou, inclusive a alterações recentes de Planos Directores Municipais (PDM), e Planos de Urbanização (PU) a fim de facilitar a construção e alteração de uso de solo mesmo em pleno território de Rede Ecológica Natural (REN) e Rede Agrícola Nacional (RAN). Esta pressão, é perfeitamente assumida como acto consumado, sem qualquer intervenção ou ajustamento, por parte deste plano. No entanto, um plano sectorial de gestão pode (e deve) reajustar propostas de alteração a PDMs ou PUs. Para além da pressão turística, verifica-se o aumento descontrolado das explorações agrícolas com base numa agricultura de regadio, com base na captação de aquíferos, que coloca em causa toda a estabilidade dos ecossistemas ao longo desta faixa litoral.


Sendo este um plano de gestão sectorial, deveria detalhar:

1. todos os elementos florísticos e faunísticos mesmo nos limites meridionais de distribuição e que são merecedores de estatuto num quadro regional.

2. os outros habitats, importantes para a conservação dos prioritários como os arrozais, canais, cursos de água, caniçais, etc.

3. os projectos de restauro ecológico quer a nível de habitat quer de espécies, decorrentes da degradação e pressão antrópica, nomeadamente o restauro das condições para albergar, de novo, o lince ibérico que existia em todo este território.

4. os riscos efectivos e correctos que o desenvolvimento dos actuais e futuros planos urbanísticos e turísticos podem trazer para a salvaguarda destes habitats e espécies prioritárias, como é assumido sem quaisquer reservas.

5. os riscos efectivos e correctos da exploração de aquíferos para sustentar o aumento da agricultura de regadio proposto, como é assumido para o futuro.

6. os riscos efectivos e correctos da qualidade de água decorrentes da exploração dos actuais aquíferos para a agricultura.

7. uma carta de risco dos ecossistemas decorrentes da intensificação da captação de água por aquíferos.

Estes problemas, embora identificados neste plano, são aligeirados como ameaças e não impediram o desenvolvimento de orientações de gestão dirigidas à protecção de todo o sistema dunar, das zonas húmidas litorais e dos zimbrais.


CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

A - OS LIMITES DA ZEC COMPORTA/GALÉ

Após a avaliação dos documentos, a SPECO considera que existem muitas incongruências não regulamentadas nos limites apresentados da presente ZEC. Qualquer alteração aos limites de uma ZEC segue um procedimento próprio, sendo que não poderá ser apresentado num plano de gestão, um limite diferente daquele apresentado em sede de Rede natura 2000 sem qualquer instrumento regulamentar que justifique não só a sua alteração como a sua aceitação. A SPECO não tomou conhecimento de que os limites da presente ZEC tenham sido alterados de forma oficial em sede de Rede Natura 2000. À data do fecho do presente parecer, não foi encontrada informação que reitere estas alterações. No entanto, analisando os mapas anexos a esta proposta de plano de gestão, verifica-se uma alteração substancial dos limites da ZEC em algumas áreas do território. Esta questão, de elevada importância carece da apresentação dos elementos necessários que a justifiquem, ou de uma correcção atempada dos limites do presente plano. Em última análise poder-se-à dizer que o presente plano não está conforme com o território a que se refere, podendo este ser um motivo para ponderar a sua invalidade. O nome de uma ZEC não basta para que se analise o território a que esta diz respeito. É absolutamente fundamental que ao nome de uma ZEC esteja uma área territorial sólida e não sujeita a flutuações territoriais, cujas motivações se desconhecem.


B- HABITATS E ESPÉCIES LISTADOS E CONSIDERADOS

No âmbito da classificação da presente ZEC foram considerados 38 tipos de habitat protegidos pelo anexo I da Directiva Habitats e que têm representatividade na ZEC, relativamente às espécies da flora, encontram-se referidos dezasseis táxones classificados ao abrigo do Anexo II da Diretiva Habitats. Relativamente aos valores faunísticos, a ZEC Comporta/Galé alberga populações com presença significativa de duas espécies listadas no anexo II da Diretiva Habitats, um peixe (boga-portuguesa, Iberochondrostoma lusitanicum) e um mamífero (lontra, Lutra lutra) que se encontra igualmente listada no anexo IV.

Não obstante deste elevado número de Habitats classificados e de espécies que importa conservar, o presente plano faz uma selecção de 16 habitats e 13 espécies. A SPECO considera esta selecção um retrocesso nos objectivos e metodologias de conservação pelas seguintes razões: - a selecção apresentada justificou, aparentemente, o não levantamento actual, da distribuição dos habitats e espécies não consideradas. Não obstante da sua importância, estatuto de conservação, representatividade e valor ecológico. - esta selecção faz incidir as medidas em habitats e espécies alvo, não havendo uma explicação objectiva para considerar que as medidas abrangem também, por proximidade ou interdependência ecológica, os habitats e espécies não alvo, e portanto desconsideradas. O plano em análise refere “ que os restantes valores que ocorrem na ZEC beneficiarão das medidas de conservação a estabelecer para os valores alvo face aos objectivos de conservação que se determinarão em capítulo próprio, conforme anexo 9”, no entanto este anexo não explica como. Aliás com uma ausência total do mapeamento dos habitats e espécies não alvo, não há uma forma objectiva para entender o afirmado na tabela constante deste anexo.


A SPECO gostaria de exemplificar os efeitos contraproducentes desta selecção: os impactos referentes a modificação do fluxo hidrológico ou alteração física das massas de água para a agricultura, ou alteração física das massas de água, só podem mesmo ser considerados de relevância média ou baixa, num contexto em que se desconsideram charcos temporários mediterrânicos, por exemplo. Num contexto em que estes habitats são considerados, qualquer actividade que tenha impacto no nível freático teria de ser considerada de elevada relevância. Seguindo os pressupostos das decisões tomadas no presente plano, sem uma mapeamentos deste tipo de habitats, as actividades impactantes estão a ser consideradas não relevantes, o que é, ao abrigo da directiva que enquadra esta ZEC, um caminho que não se adequa aos princípios da conservação que dão a importância que esta área territorial representa. Era de esperar, que ao abrigo da elaboração do presente plano, todos os habitats tivessem sido cartografados e as suas áreas caracterizadas e apresentadas sob a forma de mapas. Só assim se podiam verificar interdependências territoriais, e a abrangência das medidas propostas.


C- ANÁLISE DOS OBJECTIVOS DO PRESENTE PLANO E FRAGILIDADES NA SUA

RESPOSTA

Após a avaliação dos documentos e tendo presente a actual visão estratégica europeia para a biodiversidade, assente na redução das principais pressões a que a natureza e os serviços dos ecossistemas estão sujeitos, a SPECO considera que existem muitas incongruências entre os objectivos propostos e o que tinha sido previamente diagnosticado como pressões antrópicas. Por isso, mesmo propondo diferentes medidas de conservação regulamentares e complementares, coloca-se em dúvida a sua eficácia, independentemente do plano de acompanhamento proposto. Seguidamente, apresenta-se uma análise da resposta para cada objectivo, referindo exemplos objectivos presentes no plano alvo deste parecer.


Objectivo 1 - Manter ou restabelecer o estado de conservação dos tipos de habitat e

espécies de flora dunares da ZEC


As medidas propostas para alcançar este objectivo não são compatíveis com a expansão urbano-turística, os instrumentos a desenvolver para a acessibilidade às praias e a localização das infraestruturas balneares já declaradas, tendo em conta a capacidade de carga dos sistemas naturais.


As medidas são propostas ignorando o efeito negativo da:

1. Fragmentação do contínuo do sistema dunar na conservação das manchas de vegetação natural e semi-natural mais desenvolvidas e com maior valor biológico.

2. Impermeabilização e alterações à estrutura do solo, associada às mobilizações necessárias à construção de edificações e arruamentos, construção de campos de golfe (associado a cargas poluentes e a maior exigência de recursos hídricos).

3. Identificação de excepções para a medida de interdição da edificação em solo rústico, estipulando apenas uma certa percentagem de aumento.


Por outro lado não indicam medidas de restauro de habitats e espécies decorrentes de toda esta pressão. A SPECO reconhece que algumas das actividades e pressões permitidas na ZEC estão sujeitas a parecer da Autoridade Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (ANCNB). Considera no entanto, que actividades impactantes sujeitas a parecer devem seguir critérios objectivos e requisitos específicos a serem analisados antes da sua apresentação em sede de parecer. Isto é, para seguir para parecer para a autoridade competente, estas actividades e pressões devem responder a regras e limites específicos previamente estabelecidos. De verificar que, infraestruturas como parques de estacionamento, não carecem de parecer da ANCNB, o que não é aceitável no âmbito de uma ZEC, conhecendo os efeitos danosos deste disto de infraestruturas e dos respectivos usos. Independentemente do previsto noutros planos de ordenamento do território, numa ZEC os objectivos são de conservação e não de satisfação de direitos adquiridos, pelo que infraestruturas impactantes devem ser sempre consideradas com tal. A SPECO considera assim que o objectivo 1 não está adequadamente concretizado pelo presente plano.


Objectivo 2 - Manter ou restabelecer o estado de conservação dos tipos de habitat e

espécies de flora de zonas húmidas da ZEC


A fragilidade da zona do ponto de vista geomorfológico - assente num sistema dunar - oferece uma disponibilidade hídrica muito dependente de caudais subterrâneos que tem permitido o equilíbrio frágil destes habitats.

As medidas propostas ignoram ou não têm em conta de forma clara os seguintes problemas:

1. A aceitação do aumento da expansão da agricultura de regadio (44,4%) e da construção turística vai exercer maior pressão sobre a necessidade de captação de águas subterrâneas.

2. A conversão de áreas florestais para explorações agrícolas (38%) e de matos para campos de golfe e áreas de construção.

3. Os períodos de seca severa resultante das alterações climáticas, já experienciados.

Por outro lado, não indicam medidas de restauro de habitats e espécies decorrentes de toda esta pressão.

A SPECO considera assim que o objectivo 2 não está adequadamente concretizado pelo presente plano. A que acrescenta tudo o que tinha sido referido nas secções anteriores, descritas neste parecer.


Objectivo 4 - Manter ou restabelecer o estado de conservação dos tipos de habitat de

solos húmidos (higroturfosos) da ZEC


A vegetação palustre de solos húmidos embora reconhecidamente útil para a preservação de incêndios oferece grande fragilidade que não estão plasmadas nas medidas propostas.


A manutenção deste tipo de habitats é incompatível com áreas onde se permite a intensificação agrícola de regadio, com consequente poluição das águas subterrâneas.

São, portanto, omissos os seguintes aspectos:

1. o que fazer perante modificações nos padrões de hidratação como resultado directo ou indirecto da oscilação do freático em resultado da sua exploração para abastecimento agrícola, doméstico etc,

2. impedimento de uso para florestação e

3. impedimento de desflorestação ou desmatação de zonas envolventes

4. regulamentação do nível de encabeçamento.


A SPECO considera assim que o objectivo 4 não está devidamente concretizado.


D- NECESSIDADES ORÇAMENTAIS

A Comissão Europeia publicou, em 2014, um documento base para o estabelecimento de medidas de conservação para a Rede Natura 2000 . Este documento 1 é claro quanto à inevitabilidade de se ter de apresentar uma estimativa das necessidades orçamentais aquando da apresentação de um plano de gestão. O documento vai ainda mais longe, referindo que, apenas através da apresentação das necessidades orçamentais, se consegue um plano de gestão cuja implementação seja eficaz e efectiva. Refere ainda que para além dos custos, é fundamental ter em consideração os recursos humanos necessários para a implementação de um plano de gestão. O plano aqui apresentado carece desta informação, não havendo qualquer referência aos recursos necessários para a sua implementação não seguindo as recomendações emanadas pela Comissão Europeia.


NOTAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas razões expostas no presente parecer, a SPECO considera que o plano de gestão apresentado ficou muito aquém das expectativas.

  1. Não é aceitável que os limites apresentados para a ZEC não estejam conforme os da Rede Natura 2000.

  2. É insuficiente perante os objectivos a que se propõe porque não houve uma actualização da cartografia de todos os valores ecológicos e o subsequente levantamento destes valores.

  3. Não segue as recomendações claras da Comissão Europeia quanto à apresentação de necessidades financeiras e de recursos humanos para a sua implementação. Carece, assim, de uma profunda revisão e até de uma reestruturação que inclua uma revisão de metodologias utilizadas.







 
 
 

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