Prémio de Doutoramento em Ecologia 2025 | Entrevista a Afonso Ferreira, 1º Classificado
- SPECO
- 13 de ago.
- 6 min de leitura
Afonso Ferreira foi o vencedor do primeiro prémio do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO.

Compreender o impacto das alterações climáticas na produtividade primária da Antártida foi o objectivo de Afonso Ferreira, investigador no MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O primeiro classificado adoptou um plano de trabalho com uma abordagem holística, com diferentes técnicas e metodologias, combinando observações in situ, dados de satélite e experiências laboratoriais com culturas de fitoplâncton. O seu grande desafio foi compreender as dinâmicas sazonais e espaciais do fitoplâncton na Antártida Ocidental, essenciais à compreensão do funcionamento dos produtores primários, assim como as eventuais implicações que estes impactos podem vir a ter para a dinâmica dos predadores do ecossistema. Esta tese demonstrou que as alterações climáticas estão associadas a um aumento da biomassa de fitoplâncton, e que as diferentes espécies estão bem adaptadas ao ambiente de luz altamente variável da região. No entanto, umas conseguem tolerar melhor o stresse luminoso, o que pode justificar a sua predominância nas camadas associadas à água do degelo glaciar. Esta tese constituiu um exemplo da importância das colaborações multinacionais, já que beneficiou de dados e de suporte logístico e financeiro de três programas científicos a decorrer na Antártida.
Dada a importância, a nível mundial, da investigação na Antártida é fundamental a colaboração sustentada entre múltiplos programas para obter os dados de longo prazo essenciais à compreensão dos impactos das alterações climáticas neste ecossistema.
No âmbito da celebração deste marco, e de modo a realçar a importância da sua investigação, o vencedor foi convidado a responder a algumas perguntas, cujas respostas pode encontrar abaixo.
"O que esteve na base do desenvolvimento deste trabalho de doutoramento?"
Este trabalho nasceu da necessidade de compreender melhor como os principais produtores primários marinhos da Península Antártica – o fitoplâncton – estão a responder às alterações climáticas. Embora esta região seja frequentemente considerada um "hotspot" das alterações climáticas, a nossa perceção dos impactos biológicos costuma ser dominada pela fauna mais emblemática, como baleias, focas ou pinguins. Normalmente, organismos microscópicos, como o fitoplâncton, são esquecidos, apesar de serem a base da cadeia trófica marinha e, portanto, essenciais para o ecossistema.
O Professor Carlos Rafael Mendes, um dos meus orientadores, já estudava as comunidades de fitoplâncton da Península Antártica há cerca de dez anos. No entanto, faltava ainda uma análise mais abrangente, que olhasse para as comunidades como um todo e de forma integradora. Foi neste contexto que, juntamente com as Professoras Ana Brito e Vanda Brotas do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e do Departamento de Biologia Vegetal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, conversaram comigo e propuseram-me a ideia de uma candidatura ao doutoramento com este tema.
Olhando para trás, reconheço que foi uma oportunidade fantástica, e ainda bem que decidi lançar-me de cabeça.

"Ao longo deste trabalho qual foi a sua maior alegria?"
Houve duas grandes alegrias entre as quais não consigo escolher. Em primeiro lugar, nunca vou esquecer a primeira vez que fui à Antártida: a paisagem quase “alienígena”, os dias com quase 20 horas de luz, a experiência de passar mais de um mês a bordo de um navio científico rodeado por temperaturas gélidas, o aparecimento ocasional de baleias e penguins, entre outros momentos marcantes. Entretanto, já regressei três vezes e continua a ser uma experiência extraordinária. Em segundo lugar, o dia da minha defesa de tese de doutoramento, que representou não só um enorme alívio, mas também o fechar de um ciclo e o culminar de um trabalho árduo desenvolvido ao longo de vários anos e com o contributo de mais de uma dezena de pessoas.

"Que desafios teve de enfrentar e que motivações arranjou para superar os seus problemas?"
O maior desafio foi, provavelmente, ter de lidar com uma pandemia. Iniciei oficialmente o doutoramento no início de 2020, e a COVID-19 acabou por marcar claramente esse percurso. Para além de provocar atrasos significativos nos trabalhos, impediu-me de regressar à Antártida entre 2021 e 2023. Diria também que, do ponto de vista psicológica, o contexto de uma pandemia também não é o mais favorável para um doutoramento, uma etapa exigente e muitas vezes solitária.
Apesar de tudo, procurei sempre manter a motivação e o foco. Sempre gostei muito do meu tema de doutoramento, quis levar o trabalho até ao fim e, felizmente, consegui fazê-lo, com o apoio fundamental dos meus orientadores e das pessoas que me rodeiam no dia-a-dia.

"O que ficou por explorar?"
Muita coisa. Ao longo do doutoramento, fui percebendo que a resposta do fitoplâncton às alterações climáticas é bem mais complexa do que eu, de forma algo ingénua, imaginava no início. Embora o meu trabalho tenha contribuído para demonstrar que estão a ocorrer alterações importantes na biomassa e nas florações de fitoplâncton na Península Antártica Ocidental, ainda há muito por compreender em relação à forma como a sua composição está a mudar. Ou seja, por que razões certos grupos de fitoplâncton parecem ser mais afetados do que outros pelos efeitos das alterações climáticas? E que impacto poderão estas mudanças ter no balanço do ecossistema antártico? Estas são algumas das questões que ficaram por responder e que eu quero explorar num futuro próximo.
Fotografias: Navio Almirante Maximiano, © Marinha do Brasil
"Quais serão os próximos passos da sua carreira?"
Neste momento, o próximo passo passa por continuar a minha carreira como investigador no MARE e na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Sinto que ainda há muito por explorar, quer na Antártida, quer mais perto de casa, na costa portuguesa. O planeta está a mudar a um ritmo alarmante e o fitoplâncton - um dos grupos mais importantes e mais suscetíveis às alterações climáticas – está no centro dessas mudanças. Se há algo que eu percebi com o doutoramento foi que quero continuar a contribuir para um melhor conhecimento de como os nossos ecossistemas marinhos estão a mudar.

"O que o levou a concorrer a este Prémio?"
Concorri porque já conhecia o Prémio de Doutoramento em Ecologia há alguns anos e sempre gostei de acompanhar os trabalhos premiados e saber mais sobre as teses de doutoramento distinguidas. Sabia também que este é um dos poucos prémios em Portugal dedicados a reconhecer as teses de investigadores recém-doutorados, o que considero extremamente importante, não só por dar a conhecer ao público e à comunidade científica novos investigadores, mas também por funcionar como motivação para que esses investigadores continuem uma carreira na área da Ecologia.
"Que impacto espera obter com este resultado?"
Acima de tudo, espero que este resultado contribua para aumentar a consciencialização sobre o papel fundamental do fitoplâncton nos oceanos, já que, por não serem organismos visíveis a olho nu nem tão emblemáticos como outros animais marinhos, são frequentemente desconhecidos ou subvalorizados pela população em geral. Gostaria também que este reconhecimento servisse de motivação para outros jovens estudantes que sintam curiosidade em estudar os oceanos. A ciência não é apenas importante; é também, muitas vezes, um veículo para experiências únicas e inesquecíveis.

"O que gostaria de ver na SPECO que impulsionasse os jovens a seguir investigação em Ecologia?"
A SPECO é uma entidade de referência na área da Ecologia e já tem desempenhado um papel essencial na promoção de jovens investigadores, seja através de congressos, bolsas ou prémios como este nos últimos 30 anos. Neste sentido, gostaria apenas que a SPECO continuasse a sua importante ação junto dos jovens, reforçando ainda mais o seu papel junto dos alunos das licenciaturas e participando ativamente na comunicação pública. Vivemos tempos em que comunicar ciência, especialmente numa área como a Ecologia, nunca foi tão importante, e esse esforço pode fazer toda a diferença no momento de atrair novos estudantes para o estudo da Ecologia.
"Como tenciona contribuir para aumentar a visibilidade da SPECO?"
Como jovem cientista e sócio da SPECO, acredito que posso desempenhar um papel relevante na sua promoção junto de outros jovens investigadores, sobretudo aqueles que trabalham na área do mar. Para além disso, terei todo o gosto em divulgar ativamente a SPECO em eventos científicos, sempre que for relevante, e em colaborar nas suas iniciativas de divulgação e comunicação.
"Que conselhos gostaria de dar aos jovens estudantes de Doutoramento?"
Para ser sincero, não sinto que esteja numa posição em que possa dar grandes conselhos aos jovens estudantes de doutoramento tendo em conta o quão diferente pode ser a experiência para cada estudante.
Humildemente, o que posso dizer é que, na minha opinião, uma parte significativa do sucesso num doutoramento é sorte e depende pouco de nós. No entanto, também há muito que está ao nosso alcance. É essencial acreditarmos no nosso tema de doutoramento e em nós próprios e termos a perseverança necessária para ultrapassar os inúmeros obstáculos que inevitavelmente vão surgir durante o percurso. É importante lembrar que, apesar de às vezes parecer um caminho solitário, há muitas outras pessoas na mesma situação e que partilhar experiências pode ajudar-nos a superar as dificuldades associadas a um doutoramento. No final, vale sempre a pena independentemente de se querer ou não seguir uma carreira em investigação.
Comentários