Prémio de Doutoramento em Ecologia 2025 | Entrevista a Diana Sousa-Guedes, 3ª Classificada
- SPECO
- 13 de ago.
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Diana Sousa-Guedes foi a vencedora do terceiro prémio do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO.

O trabalho de Diana Sousa-Guedes, investigadora do Centro de Investigação em Ciências Geo-Espaciais (CICGE) da Universidade do Porto, desenvolveu-se a partir da resposta à pergunta central de como a poluição por plástico e as alterações climáticas, afectam os habitats de nidificação de tartarugas marinhas. Este estudo teve forte impacto prático e social ao produzir mapas de risco com aplicação directa na formulação de políticas públicas e ordenamento costeiro. Neste trabalho debruçou-se sobre a tartaruga comum em Cabo Verde um dos maiores hotspots de nidificação da espécie a nível mundial. Para o desenvolvimento do seu trabalho usou uma abordagem multi-escala ecológica, onde cruzou dados de campo, deteção remota e modelação ecológica. À escala do ninho, demonstrou que a presença de fragmentos de plástico reduz significativamente o sucesso de eclosão e interfere na sincronização da emergência dos neonatos, aumentando a vulnerabilidade à predação. À escala das ilhas, mapeou os padrões espaciais de acumulação de lixo marinho em praias remotas e turísticas, tendo constatado que a sua dispersão está ligada à actividade pesqueira e às correntes oceânicas. À escala do arquipélago, integrou variáveis ambientais e antropogénicas (como lixo marinho, temperatura, inundação, luz artificial e turismo) para avaliar a vulnerabilidade de mais de 300 praias de nidificação e verificou que as áreas com mais ninhos coincidem com zonas críticas de acumulação de lixo, constituindo um paradoxo de conservação. À escala global, este trabalho revelou tendências preocupantes associadas ao aquecimento das praias, com aumentos recentes no número de ninhos, mas os dados alertam para um futuro declínio, à medida que se ultrapassam limites térmicos críticos para o desenvolvimento embrionário. Foi também com este trabalho que identificou os produtos químicos que geram toxicidade para os neonatos.
No âmbito da celebração deste marco, e de modo a realçar a importância da sua investigação, a vencedora foi convidada a responder a algumas perguntas, cujas respostas pode encontrar abaixo.
"O que esteve na base do desenvolvimento deste trabalho de doutoramento?"
O projeto foi inicialmente idealizado e escrito por mim. Sempre tive fascínio por ilhas: ecossistemas fechados, com características únicas, mas também muito vulneráveis. Antes do doutoramento já tinha passado algum tempo em Cabo Verde e fiquei marcada pelo país e pelas pessoas. Vi ali um enorme potencial de investigação. Curiosamente, nunca tinha trabalhado com tartarugas marinhas até então. Quis desenvolver um método para quantificar pressões antropogénicas e usei as praias de nidificação como caso de estudo, já que as tartarugas são espécies emblemáticas (espécies “bandeira”), também para as comunidades locais. Estas passaram de caçar tartarugas e recolher ovos como alimento ou para venda, para hoje desempenharem um papel fundamental na sua proteção, nomeadamente através do ecoturismo. Ainda assim, questões que na Europa já são consensuais, como alterações climáticas e poluição por plásticos, não são necessariamente prioridades em Cabo Verde. Por isso, envolvi sempre as comunidades locais, num processo de aprendizagem recíproca: aprendi muito com o trabalho e conhecimento local, mas tentei também devolver parte desse conhecimento através da investigação.

"Ao longo deste trabalho qual foi a sua maior alegria?"
Marcaram-me muito as noites na praia, à espera das tartarugas, a ver emergir centenas de tartaruguinhas com um instinto de sobrevivência avassalador. Testemunhar isto ao lado de amigos e colegas, e poder partilhar a experiência com a minha família, foi único. E perceber que os resultados iam surgindo, apesar das dificuldades, trouxe-me grande alegria: sentir que o trabalho podia efetivamente contribuir para a conservação. Também o surgimento de novas perguntas e hipóteses, e toda a troca de ideias que daí resulta, é algo que me realiza – e a principal razão pela qual escolhi a ciência.

"Que desafios teve de enfrentar e que motivações arranjou para superar os seus problemas?"
Trabalhar em ilhas remotas é sempre uma aventura: logística difícil, noites sem dormir, areia em todo o lado, equipamentos que falham… Também a análise de dados foi exigente, pois implicou cruzar diferentes escalas espaciais e temporais. Passar horas no laboratório a analisar centenas de amostras de areia foi, sem dúvida, uma das partes mais duras. O maior desafio penso que foi sair da minha zona de conforto para analisar contaminantes químicos em amostras de areia, já que não punha os pés num laboratório de química há anos! Tive de estudar, aprender e escrever sobre um tema totalmente novo para mim. A motivação veio sempre do mesmo lugar: o amor ao projeto, a ligação às pessoas com quem trabalhei e a certeza de que estava a contribuir para algo útil e necessário.

"O que ficou por explorar?"
Muito! Sobretudo a interação entre diferentes ameaças. Estudei algumas de forma isolada, mas a realidade é sempre muito mais complexa. Para perceber os limiares que podem levar à desestabilização populacional, são necessárias abordagens interdisciplinares que combinem modelação ecológica, estudos de campo e experiências controladas. Questões como a adaptação das populações às diferentes ameaças e em ecossistemas em constante mudança, o papel da diversidade genética na resiliência ou a interação entre pressões ambientais e humanas ainda estão por responder.

"Quais serão os próximos passos da sua carreira?"
Gostava de continuar ligada à investigação em ecologia das alterações globais, usando as tartarugas marinhas como caso de estudo, mas também investindo na comunicação de ciência. Acredito que temos a responsabilidade de levar o conhecimento para além da academia. Quero continuar a trabalhar em projetos que avaliem riscos climáticos e de poluição, mas também manter uma ligação próxima com as comunidades locais, em particular em ilhas atlânticas.

"O que o levou a concorrer a este Prémio?"
Sobretudo a vontade de dar visibilidade ao trabalho. A ciência não deve ficar escondida exclusivamente em artigos científicos. O prémio é uma oportunidade de levar a mensagem mais longe e de mostrar que aquilo que se passa em Cabo Verde pode inspirar ações em muitos outros lugares.
"Que impacto espera obter com este resultado?"
Espero que contribua para aumentar a consciencialização pública e para decisões políticas mais informadas sobre a proteção da biodiversidade costeira. Também espero inspirar outros jovens investigadores a dedicarem-se a temas urgentes da ecologia. Ao abordar os impactos a várias escalas — local, regional e global —, acredito que o trabalho pode ajudar a compreender melhor os riscos que ameaçam os habitats de nidificação das tartarugas.

"O que gostaria de ver na SPECO que impulsionasse os jovens a seguir investigação em Ecologia?"
Mais oportunidades de apoio a jovens investigadores em fases iniciais, sobretudo em projetos que liguem ecologia, sociedade e tomada de decisão.
"Como tenciona contribuir para aumentar a visibilidade da SPECO?"
Quero continuar a comunicar ciência através de documentários, entrevistas ou redes sociais, e partilhar com as comunidades locais em Cabo Verde os progressos da investigação em ecologia em Portugal.
"Que conselhos gostaria de dar aos jovens estudantes de Doutoramento?"
Diria para manterem a curiosidade, porque a ciência tem altos e baixos. Criem uma rede de apoio, partilhem experiências e não se esqueçam do que vos trouxe até aqui. Escolham um tema que vos apaixone, que vos faça levantar dúvidas, sonhar, questionar. Não fiquem presos ao plano inicial da tese: deixem espaço para novas perguntas e oportunidades que surjam pelo caminho. A ciência é exigente, mas também profundamente recompensadora.
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