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Professor Francisco García Novo

  • Foto do escritor: SPECO
    SPECO
  • 22 de jul.
  • 6 min de leitura

Francisco García Novo, professor catedrático de Ecologia da Universidade de Sevilha, faleceu a 15 de Julho de 2025. O seu contacto a Portugal e ao estabelecimento de uma ligação ibérica de partilha de conhecimento entre ecólogos surgiu ainda na década de 80. Foi, por isso, com grande alegria e entusiasmo que assistiu e participou no 1º Congresso da SIBECOL, em Barcelona, em Fevereiro de 2019. Investigador nato e transversal da natureza e dos princípios ecológicos, foi o grande responsável pelo conhecimento global e transversal do Parque de Doñana. A Ecologia ibérica perde um dos seus mestres.

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Partilhamos o seguinte texto escrito pela Professora Mari Cruz Barradas, Professora de Ecologia da Universidade de Sevilha.


"Recordações do Professor García Novo


O Professor Francisco García Novo, o nosso Fuco para os amigos, deixou-nos na passada terça dia 15 de Julho de 2025.


A sua sabedoria e as suas ideias ficarão para sempre na nossa memória. Foi um grande investigador, ecólogo, professor, orador e teve um papel relevante na conservação da natureza, sobretudo nos ecossistemas do Parque de Doñana.


Nasceu em Madrid com origens galegas a 2 de Maio de 1943. Formou-se na Universidade Complutense de Madrid onde fez um doutoramento dirigido pelo professor Fernando González Bernáldez, pai da ecologia terrestre na ciência espanhola.


Tirou uma especialidade no Instituto de Edafologia em Madrid e na Estação de Melhoramento de Plantas em Elvas, onde colaborou com o grande botânico o Engenheiro Malato Beliz.


Em 1968 casou com Marisa Bouzas, a sua companheira para toda a vida, e foi especializar-se para a Universidade de Saint Andrews, na Escócia, onde realizou um segundo doutoramento em fisiologia vegetal dirigido pelo Professor Robert Crawford. Na Escócia nasceu o seu primeiro filho que continuou a linha familiar de biólogos na família. Mais tarde, já em Espanha, nasceram os outros três filhos duas raparigas e um rapaz que mantêm a energia, curiosidade e sabedoria da família.


Em 1976 conseguiu uma cátedra de Ecologia na Universidade de Santiago de Compostela e, no ano seguinte, regressou definitivamente a Sevilha como Catedrático de Ecologia.


Nesses anos de transição participou nas investigações pioneiras sobre a vegetação e as dunas de Doñana, onde teve papel relevante para a sua conservação, contribuindo para o estabelecimento oficial do Parque Nacional de Doñana em 1979.


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Conheci o Professor García Novo em Junho de 1980 quando ainda era uma estudante de Biologia e rapidamente fiquei fascinada pelos seus conhecimentos e a capacidade de comunicação. Fui sua aluna na disciplina de Ecologia de Sistemas, onde integrava de maneira brilhante os diferentes sistemas da Biosfera, seguindo os princípios da entropia e da termodinâmica.


Publicou numerosos artigos e dirigiu 26 teses de doutoramento sobre temas variados, abordou a vegetação de pastagens, matos mediterrânicos, ecologia dos peixes e diferentes teses em Doñana, onde quero destacar particularmente três trabalhos, um sobre a sucessão após o fogo, outro sobre a história ecológica de Doñana, baseado em registos históricos desde o século XIII e uma tese, completamente inovadora que tratava da expressão plástica dos ecossistemas do parque, realizada por uma professora de Belas Artes. Também dirigiu algumas teses na Galiza e em Portugal.


Em 1983 começamos a aventura da minha tese de doutoramento, na qual com a sua capacidade de inventar e inovar estudámos a estrutura vertical da vegetação de Doñana, um tema avançado à sua época pois tratava-se de descrever matematicamente uma planta e transformá-la em quadrículas de píxeis, para estudar a relação com a luz, com outras plantas, para além das suas mudanças sazonais.


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Nessa altura aconselhou-me várias ideias que nunca esquecerei, entre elas falou-me que o papel do ecólogo é saber fazer perguntas à natureza e que dada a minha situação ibérica tinha que estabelecer contactos com centros portugueses e fui a Lisboa à procura de ecólogos. E assim, ainda na antiga Faculdade de Ciências na Escola Politécnica, encontrei o Professor Catarino (Fernando Catarino), com a Amélia (Maria Amélia Martins-Loução) e a Otília (Otília Correia) e isso marcou o início de uma longa colaboração e amizade.



Desses anos lembro-me de muitas anedotas, como uma vez que apanhou uma víbora nas matas das dunas de Doñana e disse-me que tinha que medi-la, pois um ecólogo devia aprender a fazer medidas na natureza.


Na primavera de 1985 recebemos a excursão da British Ecological Society, onde visitámos Doñana e outras zonas da costa de Huelva e fomos recebidos pelo Professor Valverde que contou animadamente as primeiras fases na defesa de Doñana. No ano seguinte acompanhei-o a um congresso a Trebon, na antiga Checoslováquia, um mês depois do desastre de Chernobyl e em Junho do mesmo ano, graças à primeira Acção Integrada Hispano-Portuguesa fomos de visita a Lisboa. Nessa viagem foi um espectáculo ver o professor García Novo e o professor Catarino a discutir a essência pura da ecologia na visita à Serra da Arrábida. Também dirigiu uma tese de doutoramento a uma Engenheira Paisagista na Universidade de Évora sobre a diversidade da paisagem no Alto Alentejo.


É difícil contar em palavras toda a obra e legado do professor García Novo e neste texto só vão algumas pinceladas. Participou numa comissão para ajudar a desenvolver o território na ilha Grande de Tierra del Fuego, na Patagonia Argentina. Em 1989 começou a dirigir o projecto Doñagua onde se tratava de conhecer com profundidade as águas subterrâneas de Doñana, a sua dinâmica e relação com a vegetação. 


Em 1991 o Governo de Felipe González, o Autonómico de Manuel Chaves e a União Europeia nomearam uma Comissão Internacional de Especialistas, dirigida pelo sociólogo Manuel Castells para propor soluções para o desenvolvimento de Doñana e o Professor García Novo foi eleito membro dessa comissão. Em 1992 apresentaram o seu relatório dirigido a reorientar o espaço em volta com um aumento nos serviços turísticos e a imagem da marca Doñana, mas sem actuar dentro do território protegido e utilizaram a ideia de desenvolvimento sustentável, muito avançada em ideias para a época.

Em 1995 recebeu o Prémio Jaume I de Meio Ambiente em Valência, prémio de grande prestígio que recebeu das mãos da Infanta Cristina.


Continuando este longo percurso, no ano 1999 começámos uma nova aventura de colaboração com Lisboa que nos levou até hoje. Graças a uma Acção Integrada Hispano-Portuguesa começámos a estudar a camarinha (Corema album) ao longo de toda a costa atlântica peninsular e o professor Garcia Novo colaborou activamente, propondo ideias e ajudando a interpretar os resultados.


Em 2005 participou no projeto Doñana 2005 que tratava da restauro hidrológico de diferentes sistemas em Doñana e nesse mesmo ano recebemos a visita dos estudantes da Universidade de Lisboa, com os professores Otília Correia, Margarida Santos-Reis e Francisco Fonseca. Partilhou com os visitantes a sua sabedoria e com muito orgulho levou-nos à área de restauro del Partido, zona completamente degradada ao norte da aldeia del Rocio e expôs o seu projeto de restauro.


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O dia 28 de Março de 2007 foi uma data muito importante para o Professor García Novo. Nesse dia entrou como membro de pleno direito na Real Academia de Ciências Exactas, Físicas e Naturais e deu um discurso integrador sobre a Diversidade Biológica que foi respondido pelo antropólogo Emiliano Aguirre. Foi um dia muito emotivo onde não faltou familiares e amigos para, em Madrid, assistir ao Acto e acompanhá-lo nesse acontecimento tão importante.


Em Setembro de 2013, com 70 anos o nosso professor jubilou-se. Quis partilhar esse momento com um jantar onde assistiram familiares, colegas e amigos. Foi uma celebração muito emotiva, cheia de recordações.


Nos primeiros meses depois da sua jubilação o professor García Novo continuou a ir ao Departamento para fazer arrumações e ver o correio. Mas pouco a pouco as ausências foram cada vez maiores e preferiu deixar a Universidade e centrar os seus esforços nos trabalhos da Academia. Mas continuei a partilhar com ele conversas, congressos e passeios ao campo.


Uma das experiências mais divertidas que partilhei com ele nos últimos anos foi a realização de três documentários didácticos. No último, sobre a história de Doñana, ele era o apresentador no princípio e no fim do filme, pelo qual continuamos a manter a sua imagem e a sua voz.


Mas a 3 de Julho de 2025 essa voz apagou-se, devido a uma terrível hemorragia cerebral. Manteve-se em coma durante uns dias até que finalmente faleceu na terça feira 15 de Julho rodeado da sua mulher, filhos e netos.


Descansa em paz meu querido professor, tenho a certeza que já conseguiste revolucionar a ecologia celestial.


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Mari Cruz Barradas, professora de ecologia, Universidade de Sevilha

Julho 2025."


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